Jorginho evita falar sobre Rodrigo, elogia Eurico e revela projeto de trabalhar na Alemanha

Terça-feira, 06/12/2016 - 07:58
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Jorginho estava no fim do almoço. Cortava o último pedaço de bife à milanesa quando ouviu a pergunta que intuía que receberia. Diminuiu o ritmo da mastigação, respirou fundo – “Essa resposta é importante”, admitiu – e, em alguns segundos, tomou a decisão: não verbalizaria a visível decepção com o zagueiro Rodrigo, seu capitão no Vasco.

- Eu sou um tipo de treinador que sempre dou meu melhor para todos os atletas. Acredito em todos os atletas e procuro sempre ouvir e fazer o melhor para todos os atletas. Mas eu vou ser sincero: eu prefiro não falar nada a respeito desse atleta. Eu prefiro me calar – respondeu.

No momento em que o Vasco começou a cair de rendimento em 2016, algumas fraturas internas no futebol cruz-maltino foram expostas. Um desentendimento do treinador com Rodrigo num treino veio à tona, por exemplo. Mesmo sem resposta à pergunta da reportagem, era possível ver em Jorginho o incômodo com a situação que viveu no clube, não limitada apenas ao capitão cruz-maltino.

Nesta entrevista, de quase uma hora, o treinador mostrou sua gratidão ao presidente Eurico Miranda, explicou algumas de suas escolhas no Vasco, revelou a ideia de trabalhar na Alemanha em 2017 e, como todo brasileiro, se emocionou ao lembrar dos amigos mortos no acidente aéreo da Chapecoense.

Confira:

Decisão de deixar o Vasco

Jorginho: A gente vinha amadurecendo isso principalmente no segundo turno. A gente conversava bastante sobre essa situação, algumas coisas não estavam do nosso agrado, mas também sabíamos que, quando o time tem queda de rendimento, começam alguns questionamentos, mais do que normal. Num momento falamos o seguinte: “Vamos trabalhar, fazer tudo para o Vasco subir e depois conversamos e tomamos uma decisão".

Peso das "vozes internas" na decisão

Tem peso, porque também com isso teve uma queda de produção da equipe. A gente tentou de todas as formas mudar o sistema da equipe, mas sem muita opção. Eu não tinha jogadores de velocidade pelos lados. Então, chega num momento que você já não está mais satisfeito com aquilo que você está vendo, e a coisa tem que ser repensada. Não podia ficar de jeito nenhum se chegou naquele momento e viu que a coisa não estava acontecendo. Fiz pedidos de reforços, o presidente falou que não tinha condição. Foi uma decisão tomada e acatada. A gente teve algumas dificuldades (no entorno). Nunca vou citar nomes. A gente se sentia muito bem amparado pelo presidente, mas não era a realidade geral.

Pressão para voltar à Série A

Eu durmo rápido, mas acordo muito de madrugada, nesse período intensificou. Porque eu não pensava em outra coisa a não ser isso. Sabendo daquilo que sabíamos, do time que tínhamos, o que alcançamos, não podíamos estar numa situação como aquela. Precisávamos voltar a jogar daquela forma, sabendo que a coisa estava desgastada, com os jogadores doidos pra entrar de férias. Tentava me desligar, não pensar em nada. O pior era durante o dia, o tempo todo só pensando nisso, em conquistar a pontuação necessária para a gente sair dessa situação.

Descoberta de Douglas

Eu pedi para fazer alguns treinamentos com os juniores e vi o Douglas trabalhando. Até então ninguém tinha me falado do Douglas. Tinha visto alguns jogos dele, inclusive ele nem jogou em alguns, e quando vi o Douglas jogando, falei: “Esse é o jogador que a gente está precisando”. Para jogar pelo lado direito. É um jogador que vai dar muito pelo Vasco, tem muito potencial, qualidade técnica muito grande, é forte. Tenho certeza que o Douglas vai ser em breve uma contratação para a Europa.

Desempenho dos outros jovens

Não é fácil. É uma pressão muito grande para esses jogadores. O Evander você vê que é diferenciado, tem chute potente de fora da área, mas falta intensidade no jogo. Ele não jogou na posição dele, que é a do Nenê. O Andrey seria jogador para jogar pelo lado direito, mas ainda precisa de um tempo. Seria uma irresponsabilidade minha botar toda a responsabilidade nas costas destes jogadores, eles saíram do sub-17 direto para o profissional. Quando o cara dá resposta, como o Douglas, tudo bem, mas se não dá, tem que saber lidar. Eles tinham que maturar um pouco mais, ganhar experiência, ir e voltar. O Evander tem vida diferente dos outros, o pai é empresário, tem condição melhor. Tem que focar ele bem. Os outros estão em busca do prato de comida. O Evander é diferente. Você vê que é o grande nome, mas tem que entender que tem que ser muito profissional, trabalhar forte, não achar que é craque.

Rodrigo

Eu sou um tipo de treinador que sempre dou meu melhor para todos os atletas. Acredito em todos os atletas e procuro sempre ouvir e fazer o melhor para todos os atletas. Mas eu vou ser sincero: eu prefiro não falar nada a respeito desse atleta. Eu prefiro me calar.

Por quê?

Prefiro me calar.

Teve muito problema?

Prefiro me calar.

Relação com Eurico

O presidente foi muito correto comigo. Não é um cara de meias-palavras. Como jogador eu não conhecia bem o Eurico Miranda presidente. Como treinador a gente passa a ter um pouco mais de intimidade, de conversar com ele. Ele cumpriu sua palavra, em alguns momentos foi alguém que me protegia ali dentro, num momento em que muitos queriam a saída da minha comissão técnica. Ele foi firme e falou: “Quem manda sou eu”. Então eu fiquei muito feliz por esse relacionamento com ele, de muita sinceridade, de palavra de homem, olho no olho, não gosto de pessoas que falam uma coisa e fazem outra.

Insistência em Diguinho

Na realidade o titular era o Marcelo Mattos. Diguinho distribui melhor, mas o Marcelo é mais completo porque é muito forte na marcação, não dá grande passe, mas ele inicia bem o jogo, é seguro, e na bola parada é muito forte. Nessa posição a gente tinha outros jogadores: Julio e Douglas não dava para usar como primeiro volante. O Bruno Gallo passou três meses com problema no púbis, voltou no fim, mas também não estava com essa intensidade. Diguinho era o jogador que tinha essa construção de jogo e tinha marcação muito forte. Por isso mantive o Diguinho, não tinha outra peça que tivesse a característica do Marcelo Mattos para substitui-lo como primeiro volante.

Aposta em Julio Cesar

O Alan é muito jovem, tem capacidade ofensiva maravilhosa, mas ainda precisa ser trabalhado taticamente e na parte defensiva. O Henrique é o mais equilibrado deles. Apoia bem, defende bem, mas infelizmente teve partidas que não conseguiu bom rendimento. Com isso perdeu um pouco de confiança. Essa foi a razão de ficar (com Julio Cesar), para não apostar numa situação num momento tão difícil para a gente, em que não poderia errar, eu preferi manter aquilo que era mais tradicional, mas era o mais seguro. Pela experiência dele, ia conseguir suportar esse momento de pressão.

Cobrança com Thalles

De repente, ele se viu ganhando muito dinheiro. Isso sobe à cabeça. O Thalles não estava se concentrando. Tem facilidade muito grande de pegar peso, ficou acima do peso, com isso não tem como ter bom rendimento. Os treinos dele não tinham intensidade, a concentração que precisava ter, e eu pegava no pé dele porque era um talento jogado fora. Fico feliz de falar dele. Num período em Pinheiral recebemos os familiares e chamei a mãe dele para conversar: “Falei do teu filho para o bem dele.” Tratava com ele como treinador mas vi que precisava de coisa mais forte, que ficasse em público para que ele pudesse ser cobrado por torcedor se fizesse alguma besteira.

Mudança de Thalles

A verdade é que o Thalles entendeu o quanto ele precisa dar a vida dele, porque ele pode mudar a história dele, a história da família dele. Tem potencial para isso. Temos poucos atacantes no Brasil, e o Thalles é um deles, com 21 anos. Ele pode, em pouco tempo, se se concentrar, ser o futuro atacante da Seleção. Saio do Vasco, mas saio deixando um cara que sabe o que precisa fazer. Agora, tem que fazer, Thalles. Você tem potencial muito grande, tem todas as condições de ir longe, ir para a Europa, jogar futebol de alto nível, desde que você queira. Cuidado com esse peso, se cuide, pense na sua família, sua mamãe, e tenho certeza que vai ter futuro brilhante.

Tragédia da Chapecoense

Assisti a uma entrevista do Eric Faria nesse momento tão difícil com a queda do avião da Chapecoense. Todos nós choramos muito, foram dias de muito choro. Eu tenho experiências próprias de perder cinco pessoas da minha família, muito amadas: meu pai, minha irmã três meses depois, depois mais duas irmãs, uma por descarga elétrica nos braços do filho, a última teve câncer, e um sobrinho com 18 anos, no coração, dormiu e não acordou mais. Sei o quanto vão sentir falta, dor, muita saudade.

Conversa com Caio Junior

Muita saudade dessas pessoas. Dos quais eu tinha alguns que tive oportunidade de conviver, principalmente o Cleber Santana. O Caio Junior, quando fui mandado embora do Al Wasl, conversou comigo para caramba, porque tinha muita experiência. Caí num jogo contra ele, perdi por 3 a 0 e falei: “Acho que você vai me derrubar”. Depois me ligou falando um monte de coisa, dando conselhos por ter vivido ali. Saber que o Paulo Paixão, meu querido amigo, perdeu mais um filho, é duro demais. A gente tem que ser uma pessoa melhor.

Kempes

A gente indicou alguns nomes, e ele era um dos nomes que a gente havia falado que ajudaria muito, pela forma de jogar, por ser um jogador de área e tudo. As condições financeiras não permitiam para a gente. O Vasco acabou contratando dois jogadores que jogaram comigo, o Éderson e Junior Dutra, pela facilidade do negócio. Era só pagar o salário.

Lição no Vasco

Nesse meu ano e quatro meses de Vasco, hoje sou uma pessoa melhor, um treinador melhor, passei muita luta, muita dificuldade, mas não vou desistir de pessoas, é claro que desde que as pessoas queiram, tem pessoas que não querem. Hoje sou um treinador bem mais preparado, bem mais estudioso, atento ao futebol moderno, na intensidade do trabalho, do jogo. Creio que o Vasco me deu oportunidade de demonstrar que sou treinador de time grande.

Planos para 2017

Na Alemanha eu tenho alguns amigos que já foram meus diretores e que hoje são empresários. Estão trabalhando o nome lá. Tem que ser quebrado o paradigma. Nunca teve treinador brasileiro, eles têm muita preocupação de não estar informado. Sou um cara que está sempre vendo futebol alemão. Teria que ser projeto de um clube que topasse uma situação dessa, mas é algo que a gente tem trabalhado, porque eu gostaria de ter uma carreira diferente em relação a isso. Quebrar essa coisa de treinador que não pode ou nunca foi pra Alemanha, eu queria ter essa possibilidade.

Fonte: GloboEsporte.com