VASSSSSSCO!
Rachel de Queiroz
Crónica publicada no Diário de Notícias, Suplemento Literário, de 14/12/1952. Nesse mesmo dia, o Vasco venceria o Flamengo por 1 a 0, gol de Ademir, ficando a um passo do título.
No jogo da última rodada, com o Vasco já campeão por antecipação, Rachel de Queiroz colocou a faixa de campeão no diretor João Silva, no gramado de São Januário.
Dantes eu não me atrevia a falar em futebol, como em economia política, artes plásticas, música de câmera e várias outras especialidades, não metia a colher porque conhecia o meu canto. Mas agora a coisa mudou. Posso não ter adquirido os conhecimentos, mas adquiri a investidura, que é ainda melhor. Sócia Honorária do Club de Regatas Vasco da Gama, quem pode me dizer que cale a boca? Me sinto como o general Estillac, no tempo em que era ministro da guerra: discorro sobre o que quiser, serei jurisprudente ou jurisperito à minha vontade: posso não ter a qualidade, mas autoridade, isso tenho!
Estes arrogantes pensamentos me ocorrem, enquanto contemplo a flâmula preta e branca do Vasco, que recebi das mãos do glorioso capitão do time, o Augusto. Lá está a estrela de ouro no canto direito, significando o campeonato invicto. Sim, porque isso de campeonato invicto só conhece o Vasco. Haverá outros com o título de campeão, bicampeão, e até nas sequências de pouca sorte nossa, alguém que seja tricampeão. Mas invicto quem, fora o Vasco?
Segundo já o expliquei algures, comigo não tem esse negócio de tolerância, de espírito esportivo, etc. Tolerância é bom do Arsenal. Espírito esportivo também serve para torcedor de time que apanha. Mas ao torcedor do Vasco, só convém a insolência do vencedor. Mesmo nas horas de amargura, quando a má sorte nos persegue. Pois, é claro, pode um desastre eventual nos castigar com um placar imerecido. Mas para nós o recuo é sempre o sinal de salto para diante; os gols adversos são bandarilhas num miúra de raça: só fazem irritar o touro e lhe enfurecer ainda mais a arremetida. Está aí toda a história do Vasco, que não me deixa mentir.
Sim, Homem é o Rui, mas jogo é o Vasco. Fora disso não tem mais. Não gosto de desfazer nos outros, mas reparem. Ultimamente, só se falava no arrojo do Fluminense. E afinal que é que se vê? O Fluminense - desculpem os amigos mas não digo menos verdade - o Fluminense de repente descobre que futebol é tapar o gol com uma barreira, e deixar a bola correr... nos pés dos outros. Porque arranjaram o segundo melhor keeper do Brasil (já que o primeiro é o meu amigo Barbosa), acreditaram no trocadilho, traduziram castilho por castelo, e se entrincheiraram por detrás dessa torre humana. Estará isso certo? Será futebol? Onde a audácia fulminante dum Ademir, onde um ataque maciço e blindado como o do nosso Almirante?
No Flamengo não falo porque tenho um certo medo. Não é medo do time, é medo da torcida. Se tivesse coragem falava; se não fosse o receio de que eles me linchassem, diria que o clube do meu caro Zé Lins do Rego ganha mais jogos do lado de fora do campo do que dentro dele. Mas vê se alguém é bobo de falar. Deixa falarem eles. Podem provocar à vontade, gritar até ficarem roucos aquela cantiga que o "Mengo é o maior". Nós no Vasco ficamos calados, só jogando. Quem faz gol não é a gaitinha do Ari, é o peito e a classe, não é mesmo? Que o Flamengo pode ter peito, e o Fluminense ter classe - mas classe e peito juntos, quem é que tem, senão o Vasco?
Esta declaração vai sair impressa justamente na manhã do embate Vasco x Flamengo, que praticamente decidirá o destino do campeonato da cidade. Pois fé se mostra é antes do jogo, não é depois.
Vamos a campo para vencer, rapaziada. Enquanto vocês lutam lá no Maracanã, nós aqui na Ilha vamos fazendo força, junto da televisão, contem com os nossos santos, - tem terreiro inteiro trabalhando pra vocês. Pé ligeiro e chute forte, vamos ver Deus por quem é!