Aos perdedores, as cocadas
Vasco 1x0 Flamengo (Campeonato Estadual 1987, decisão)
Vasco 1x0 Flamengo (Campeonato Estadual 1988, 2º turno)
Vasco 3x1 Flamengo (Campeonato Estadual 1988, 3º turno)
Vasco 2x1 Flamengo (Campeonato Estadual 1988, primeira partida da decisão)
Vasco 1x0 Flamengo (Campeonato Estadual 1988, segunda partida da decisão)
Contem trechos baseados em artigos do Jornal dos Sports de 10/8/1987 e O Globo de 10/8/1987, 1/2/1988, 9/5/1988, 13/6/1988, 20/6/1988, 23/6/1988 e 26/6/1988.
Dentre as muitas vitórias do Vasco durante a campanha do bicampeonato estadual de 1987/88, as obtidas contra o Flamengo são certamente as que melhor expressam a superioridade vascaína e o merecimento daquela conquista. Foi uma série espetacular de vitórias, incluindo-se as decisões de ambos os campeonatos, que talvez só poderiam ter sido evitadas pelo eterno rival com uma repetição do infame esquema de papeletas amarelas aplicado em 1986.
Vasco 1x0 Flamengo (Campeonato Estadual 1987, decisão)
No campeonato de 1987, Vasco e Flamengo chegavam a decisão do título depois de três empates por 0 a 0 nos três turnos. O primeiro, na última rodada do primeiro turno, significara a conquista do bicampeonato da Taça Guanabara pelo Vasco (JPEG, 51k) e, consequentemente, uma vaga na decisão do campeonato com os vencedores do segundo e terceiro turno (Bangu e Flamengo).
Numa analise fria antes da decisão, o Vasco poderia ser considerado como favorito, porque foi mais regular ao longo da competição, com a melhor campanha, o ataque mais positivo e apenas três derrotas em 30 jogos. Porém numa decisão tudo é possível, e Vasco e Flamengo fariam uma partida emocionante naquele domingo de 9 de agosto de 1987, em que pesem os muitos passes errados e o excesso de faltas cometidas por ambas as equipes. Tudo por conta da tensão e do nervosismo natural em decisões deste porte, com o Maracanã lotado dividido meio a meio pelas respectivas torcidas, num total de 114.628 pagantes e renda recorde nacional.
O primeiro tempo da decisão vinha sendo bastante truncado, com poucas emoções. A rigor, uma chance perdida para cada time. Aos 14 minutos, Paulo Roberto cobrou uma falta para a área e Roberto, livre, cabeceou para fora, com grande perigo. Seis minutos depois, Zico cobrou uma falta quase sem ângulo do lado esquerdo e a bola resvalou na trave antes de sair pela linha de fundo. Aos 30, houve um princípio de confusão depois de uma entrada desleal de Jorginho em Luís Carlos. Houve empurrões, ameaças de agressão, mas nenhum cartão amarelo por parte do indeciso árbitro Pedro Carlos Bregalda.
Quando todos imaginavam ser o 0 a 0 o resultado mais indicado para o primeiro tempo, aconteceu a grande emoção, aos 41 minutos. O zagueiro rubronegro Leandro, cantado em verso e prosa por seus admiradores pelos seus passes e controle de bola, se enrolou ao tentar sair jogando no lado direito, perto da linha divisória. Romário se antecipou a Jorginho e Andrade, interceptou o passe mal feito e rapidamente tocou para Luís Carlos. Este, pela esquerda, viu Roberto livre na área e cruzou pelo alto, com precisão. Roberto matou no peito com a classe dos verdadeiros craques consumados, girou, viu Tita chegando da ponta direita em diagonal e rolou na medida. Na corrida, ele bateu forte e marcou o gol do título (RA, 60k). Tita levantou a camisa, cobriu o rosto e saiu correndo, perseguido por todos os companheiros, em direção ao túnel. Ali ele abraçou o técnico Lazaroni, que havia assumido a direção da equipe faltando poucos jogos para a final, em substituição a Joel Santana, que aceitara proposta da Arábia.
No segundo tempo o Vasco se plantou bem e o Flamengo ainda por cima perdeu Zico, que sofreu uma entrada de Geovani e contundiu-se no tornozelo. Romário perdeu um gol feito e Acácio fez duas grandes defesas. A torcida vascaína já fazia uma grande festa quando tomou um grande susto aos 44 minutos. Na pequena área, Bebeto girou e chutou colocado, mas Acácio salvou, numa defesa sensacional, e segurou o título. Uma conquista com sobra de méritos.
O Vasco venceu com Acácio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Mazinho; Henrique, Geovani e Luís Carlos (Vivinho); Tita, Roberto e Romário. Técnico: Sebastião Lazaroni. O time todo jogou bem, mas tiveram papel especial Acácio, com três grandes defesas, Donato, que não perdeu nenhum lance por baixo ou pelo alto, Geovani, pela garra impressionante e passes maravilhosos, e Tita, o melhor jogador da partida e autor do gol do título. O Flamengo perdeu com Zé Carlos; Jorginho, Leandro, Aldair e Aírton; Andrade, Júlio Cesar e Zico (Alcindo); Renato (Kita), Bebeto e Marquinho. Técnico: Antonio Lopes. O árbitro foi Pedro Carlos Bregalda, auxiliado por Luís Carlos Félix e Wilson Carlos dos Santos.
Vasco 1x0 Flamengo (Campeonato Estadual 1988, 2º turno)
O confronto da decisão de 1987 repetiu-se na abertura do Campeonato Estadual de 1988, em 31 de janeiro. Foi todavia uma partida anormal. Aos 21 minutos do segundo tempo, quando o Flamengo vencia por 1 a 0 - gol de Bebeto de cabeça aos 32 minutos do primeiro tempo -, o jogo foi interrompido porque já estava escuro e os refletores do Maracanã, com defeito num disjuntor, não poderiam ser acesos. O juiz Luís Carlos Félix decidiu esperar pelo reparo do problema durante os 30 minutos obrigatórios e outros 30 se o defeito ainda estivesse sendo consertado. Mas o time do Vasco, com 32 minutos de paralisação, começou a deixar o campo, por ordem de um cartola cujo nome não é preciso mencionar, pois mesmo quem não sabe, pode imaginar quem é. O resultado foi a julgamento e o placar de 1 a 0 para o Flamengo foi mantido, custando ao Vasco dois pontos preciosos e que acabaram por significar a perda do primeiro turno, ganho pelo próprio Flamengo.
No segundo turno, o time, já com 3 pontos perdidos, tinha que se recuperar, vencer o Flamengo e se aproximar do líder, o Fluminense. Havia união, determinação, mas faltava uma grande vitória. Oportunidade melhor não podia haver: Roberto, de fora por contusão por um longo período, estava de volta. Muito motivados, os jogadores então provaram que o Vasco não "fugira" de campo na abertura do campeonato e não precisavam de "tapetão" para vencer o adversário. Iluminado pela luz própria dos seus craques, o Vasco alcançou uma vitória por 1 a 0, resultado que ninguém contestou.
A vitória vascaína do dia 8 de maio começou na arquibancada. De um lado, a torcida do Vasco, motivada pela volta de Roberto e pela confiança do artilheiro Romário, encheu a parte que lhe era destinada no estádio. Do outro lado, a do Flamengo, ainda cega de raiva e dor pelas recentes derrotas do time na Supercopa e ressabiada pela ausência de Zico e Renato Gaúcho, compareceu em menor quantidade.
No campo, era o talento do meio-campo que predominava. Geovani abastecia Vivinho com ótimos passes, enquanto Zé do Carmo cuidava do desarme. Veloz e impetuoso, Vivinho tomou conta das jogadas de ataque. Mas foi Henrique, em jogada individual, aos 33 minutos do primeiro tempo, quem fez o gol da vitória: ele arrancou em diagonal da direita para a esquerda, passando na corrida por dois e, quando parecia ter adiantado demais a bola e que a perderia para Leandro Silva, esticou o pé esquerdo e tocou por baixo de Zé Carlos. Uma vitória importante naquela altura, e que era o prenúncio de muitas por vir.
O Vasco alinhou com Acácio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Lira; Zé do Carmo, Geovani e Henrique; Vivinho, Roberto e Romário. Técnico: Sebastião Lazaroni. O Flamengo, com Zé Carlos, Leandro Silva, Leandro, Zé Carlos II e Jorginho; Andrade, Aílton e Júlio Cesar (Henágio); Alcindo, Bebeto e Zinho (Luís Henrique). Técnico: Carlinhos. O árbitro foi Carlos Elias Pimentel, auxiliado por Adauto Cunha Rodrigues e Alcides Pereira da Rocha, e o público foi de 47.476 pagantes.
A partir desta vitória, a equipe adquiriu confiança e o Vasco subiu de produção no campeonato, terminando por conquistar o segundo turno, mesmo estando novamente desfalcado de Roberto, com outra contusão grave.
Vasco 3x1 Flamengo (Campeonato Estadual 1988, 3º turno)
A participação nas finais já estava garantida, mas o Vasco queria mais. Quando chegou à decisão do terceiro turno, em 12 de junho, mais uma vez contra o Flamengo, o Vasco já era um time com personalidade, confiança e sobretudo determinação. Nem mesmo os desfalques de Romário e Paulo Roberto causaram abalo. Ninguém poderia supor que seus substitutos Sorato e Cocada iriam desequilibrar e, com eles, o Vasco atacasse tanto. O resultado foi aquilo que o meio-campo Geovani, o melhor em campo, definiu numa momentânea perda de modéstia - Foi um banho de bola. Ou como reconheceu O Globo em sua manchete, um "show em ritmo de campeão".
Desde o início, o Vasco se impôs, mostrando defesa compacta, meio-campo criativo e ataque insinuante. Aos sete minutos o Flamengo perdeu uma chance atraves de Bebeto, mas o Vasco não se perturbou. O gol não demorou, saindo três minutos depois. Cocada puxou um contra-ataque, tabelou com Bismarck, chegou a linha de fundo e centrou. Flávio tentou salvar, mas apenas desviou a bola, que foi então à cabeca de Vivinho na pequena área: 1 a 0. A vantagem deu extrema tranquilidade ao Vasco, que passou a explorar inteligentemente a velocidade de Vivinho e do garoto Sorato. O Flamengo perturbou-se, passou a cometer erros infantis nos passes e não conseguia ganhar mais uma disputa de bola. Numa delas, Edinho perdeu para Geovani no meio de campo, que fez então um lançamento longo justamente no espaco vazio deixado pelo zagueiro. Sorato ganhou na corrida de Leandro e Leonardo e chutou cruzado, de pé direito: 2 a 0, aos 21 minutos.
No segundo tempo, pouca coisa mudou. Logo aos 4 minutos, Leonardo, na lateral, tenta atrasar para Zé Carlos chutando com força, mas o goleiro, desatento, não consegue defender. Sorato penetra livre e com um leve toque marca o terceiro. Fatura liquidada, o Vasco diminuiu o ritmo, mas manteve o domínio. O Flamengo ainda conseguiu diminuir aos 19 minutos, com Andrade aproveitando um rebote de fora da área, mas o Vasco esteve mais perto de marcar o quarto do que o Flamengo de fazer o segundo. Geovani, provando que podia jogar com ou sem marcação individual, foi o craque do jogo.
O Vasco venceu o terceiro turno com Acácio; Cocada, Donato, Fernando e Mazinho; Zé do Carmo, Geovani e Henrique; Vivinho, Sorato (William) e Bismarck. Técnico: Sebastião Lazaroni. O Flamengo perdeu com Zé Carlos; Jorginho, Leandro, Edinho e Leonardo; Andrade, Aílton e Flávio (Alcindo); Renato, Bebeto e Henágio. Técnico: Carlinhos. O árbitro foi Aloísio Viug, auxiliado por Paulo Chaves e Aloísio Felisberto da Silva. O público pagante foi de 20.690.
No final, enquanto o Vasco dava mais uma volta olímpica, o Flamengo saía de campo abatido e muito preocupado, pois precisaria melhorar muito para obter duas vitórias na melhor de quatro da decisão, já que o Vasco teria um ponto de vantagem por ter ganho dois turnos.
Vasco 2x1 Flamengo (Campeonato Estadual 1988, primeira partida da decisão)
O Vasco foi para a primeira partida da final, no dia 19 de junho, contando com a volta de Paulo Roberto e Romário, e imbuído de uma grande confiança. Porém, logo aos oito minutos do primeiro tempo, Bebeto abriu a contagem para o Flamengo. O Flamengo impunha um ritmo forte e, além disso, alguns de seus jogadores passaram a catimbar e fazer cera. Geovani, irritado com os gestos de provocação de Renato Gaúcho para a torcida vascaína, e também por sentir que a bola não chegava a seus pés, chegou a discutir e trocar ameaças com o ponta rubronegro. A verdade é que o Vasco estava lento e não conseguia fugir à marcação cerrada imposta pelo adversário. Tudo isso mudou no segundo tempo: Os lançamentos passaram a ser feitos por Zé do Carmo ou Vivinho, e então Romário começou a receber bolas. O empate não demorou. Aos cinco minutos, Geovani cobrou falta para Bismarck na direita. Ele passou por Leonardo, cortou Edinho e da entrada da área chutou forte, de canhota, no canto direito de Zé Carlos, sem chances de defesa.
A partir daí, quem passou a jogar contra o relógio foi o time do Flamengo, que completamente desnorteado, corria muito, só que atrás do toque de bola que o Vasco impunha, ao som dos gritos de "dá-lhe, dá-lhe, dá-lhe Vasco; seremos campeões". A virada era uma questão de tempo. Aos 15 minutos, Romário recebeu um lançamento de Vivinho, ganhou de Leandro e, com muita categoria, tocou por cobertura na saída de Zé Carlos, mas a bola foi para fora enquanto o goleiro desesperado voltava correndo. No minuto seguinte, porém, o azar não interferiu: Zé do Carmo fez o lançamento, a bola ficou mais para Leandro, que no entanto atrasou mal para Zé Carlos. Romário chegou primeiro, deu um lençol no goleiro e tocou de cabeça para o gol vazio (JPEG, 63k). Golaço, Vasco 2 a 1. Romário continuou infernizando a defesa do Flamengo, e esteve perto do terceiro gol aos 24 minutos, quando ganhou de Edinho e Leandro e chutou violento no canto direito de Zé Carlos, que conseguiu espalmar para corner.
Do outro lado, Acácio se sobressaía com defesas de alto nível, e terminou por se constituir no maior destaque da partida. Ele foi o mais festejado no vestiário, não só pelas grandes defesas, mas também por ter sido esquecido na hora da convocação para a Seleção que se preparava para as Olimpíadas de Seul, em favorecimento, justamente, de Zé Carlos. Obviamente o técnico da Seleção, Carlos Alberto Silva, não vinha prestando muita atenção às últimas partidas entre Vasco e Flamengo.
O Vasco venceu com Acácio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Mazinho; Zé do Carmo, Geovani e Henrique; Vivinho, Bismarck e Romário. Técnico: Sebastião Lazaroni. O Flamengo perdeu com Zé Carlos; Jorginho, Leandro, Edinho e Leonardo; Andrade, Aílton e Bebeto; Alcindo, Renato e Zinho. Técnico: Carlinhos. Arbitragem de Aloísio Viug, auxiliado por Carlos Elias Pimentel e Pedro Carlos Bregalda, e público de 24.790 pagantes.
A terceira vitória no campeonato sobre o Flamengo deixava o Vasco a um ponto do título.
Vasco 1x0 Flamengo (Campeonato Estadual 1988, segunda partida da decisão)
A vantagem acumulada ao longo do campeonato dava ao Vasco o luxo de jogar pelo regulamento a segunda partida da decisão, na quarta-feira dia 22 de junho, explorando o desepero do Flamengo, roubar a bola e partir para o contra-ataque. Os planos foram prejudicados pela contusão de Vivinho nos minutos iniciais do jogo. Geovani também sentia uma contusão e Romário, vindo de contusão, não estava em plenas condições físicas. O Flamengo, com Aldair na defesa no lugar de Leandro, barrado pelo técnico Carlinhos, mostrava espírito de luta mas também bastante nervosismo. Com paciência, o Vasco manteve o plano inicial. A defesa atuava com firmeza e Acácio não chegou a fazer nenhuma defesa. No segundo tempo o nervosismo do Flamengo aumentava e o time estava cada vez mais desordenado em campo, enquanto que o Vasco contra-atacava com perigo.
O jogo se encaminhava para o seu final, com a torcida vascaína presente já comemorando o título, quando aconteceu o lance que iria se eternizar como a marca do bi-campeonato, aos 44 minutos do segundo tempo. Cocada, que havia entrado no lugar de Vivinho, avancou com muita personalidade e perfeito domínio de bola. Quando Edinho apareceu para lhe dar combate, perto da risca da grande área, Cocada fingiu que sairia pela direita. Edinho acompanhou a ginga do seu corpo e ele então cortou para dentro e encheu o pé esquerdo. Pegou na veia. A bola entrou como um foguete, pelo alto (RM, 107k). Um golaço, que selava a sorte do campeonato e coroava a melhor campanha do Vasco.
Cocada corria alucinado rodando a camisa na mão, em comemoração tão eufórica, que acabou sendo expulso. Na saída de bola, houve confusão. Romário, que vinha aturando as provocações de Renato Gaúcho o jogo inteiro, aproveitou para retribuir. Renato tentou agredi-lo, o atacante vascaíno revidou e foi atingido por Alcindo. O campo foi invadido de todos os lados, e o goleiro reserva do Vasco Paulo César acertou o covarde atacante do Flamengo na altura do estômago. Romário, Renato e Alcindo foram expulsos. Mas nada disso era importante para a torcida do Flamengo, que deixava o Maracanã desolada, nem para a multidão vascaína, que comemorava em delírio o bicampeonato.
O Vasco (JPEG, 56k) conquistou o título com Acácio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Mazinho; Zé do Carmo, Geovani e Henrique; Vivinho (Cocada), Bismarck e Romário. Técnico: Sebastião Lazaroni. O Flamengo jogou com Zé Carlos; Jorginho, Aldair, Edinho e Leonardo; Andrade, Aílton (Júlio Cesar) e Zinho; Renato, Bebeto e Alcindo. Técnico: Carlinhos. Árbitro: Aloísio Viug, auxiliado por Paulo Roberto Chaves e Aloísio Felisberto da Silva. O público foi de 31.816 pagantes.
Nos dias seguintes à decisão, a diversão principal dos vascaínos foi oferecer cocada preta aos rubronegros.